Insanidades

Filha: Mãe? Porque o papai diz que você tem um coração de gelo e é intransigente? 

Eu: Porque meu amor, eu amo seu pai demais.

Filha: Continuo sem entender minha mãe...

Eu: Vem cá que vou te contar uma história...

Ambas acomodam-se, a filha no colo da mãe. Essa vê a pequena em seus braços e enxerga além da menina de olhos curiosos e sorriso cativante. Se lembra de que já foi muito parecida com ela. E todas as fases de sua vida passam como um filme bom de assistir em um domingo chuvoso, comendo chocolate embaixo das cobertas. Lágrimas começam a brotar de seus olhos, sua filha a olha complacente e como a curiosa que é questiona:

- Cadê a história mamãe? Tem dragões, bruxas, ratinhos...

E as lágrimas da mãe brotam ainda mais, ao se lembrar do quanto a filha se parece com ela e daquela história de ratinhos fujões e valentes que sua mãe contava a cada noite de uma forma diferente quando ela era pequenina, só porque se sentia muitíssimo bem ao ouvi-la.

- Não pequena, hoje mamãe vai contar a história de uma menina que se apaixonou, se encantou, se desiludiu, que amou e não foi amada... Vou te contar hoje a minha história! Eu nunca fui a menina mais linda e nem a mais popular em nenhuma fase da minha vida.Porém sempre tive bons e divertidos amigos. Uns já nem se lembram de mim ou vice-versa, mas cada um em sua fase foi o melhor que eu poderia ter. Eu era muito feliz sem a necessidade de um amor, óbvio que eu me encantava por alguns meninos e tinha paixonites. Mas então... BUM. O amor chegou para mim da forma mais inesperada e complicada possível. Sua mãe amou alguém que era seu amigo, e só percebeu isso quando a amizade estremeceu e ele se afastou. Passei anos imaginando como poderia ter sido ou como seria se um dia voltássemos a nos encontrar. Então no meu último ano no colégio, o adicionei em um site de relacionamentos [orkut] e ele simplesmente disse que não se lembrava mais de mim. Sim aquilo doeu e me matou por dentro, foi na véspera da Páscoa, e não houve chocolate no mundo que sarasse a minha dor.Eu não chorei filha, mas me senti vazia e um lixo, por ter passado tanto tempo amando alguém que não se lembrava de mim. Junto com isso, várias pessoas nas quais a mamãe confiava, acabaram me decepcionando. E então meu coração que parecia você quando vai a praia: ardente, vivo, feliz e saltitante... Endureceu, tornou-se de gelo, passou a não confiar mais em pessoas que tentassem conquistá-lo, desaprendeu a amar verdadeiramente.

Filha: Mas você ama a vovó, o vovô, meu tio, o Gabriel, o cachorro da vovó, seus amigos, eu, o papai, nosso papagaio...

Eu: Sim meu amor, amo a todos esses que você citou e a muitos outros. Mas também nunca deixei de amar àquele que matou uma vez meu coração. Porém a história ainda não acabou. Eu sofri, e também aprendi a me amar e amar e prezar a minha própria liberdade. Sonhei com alguém que me fizesse acreditar que poderia amar novamente e que me ajudasse a reconstruir tudo mais uma vez. Então veio seu pai e me mostrou tudo isso, mas meu coração já tinha sido ferido e nunca deixou sua guarda totalmente baixa, mas também não mais me impediu de amar de novo. Quando pensei nas palavras que te digo, foram a muitos anos atrás, e apesar de tudo eu ainda tinha esperanças.

Filha: Então seu coração não é de gelo?

Eu: Não irei mentir pra você, ele continua sim de gelo, mas o calor do amor daqueles que amo o derrete. E o primeiro que conseguiu derreter o gelo e me fez acreditar no verdadeiro amor... É seu coelhão da páscoa, que está agora olhando pra nós com nossos ovos de chocolate e com lágrimas por ouvir pela milionésima vez o quanto sou grata por ele me ensinar o que é amar... E dessa vez pequena, ser também amada!